Timbre

 

[ 19.16.0005.0054792/2020-76/ 2020

 

Parecer nº [...]  /2020 - PGJMG/PGJAJ/AEPGJ/AEPGJCIVGAB01

 

Expediente SEI 19.16.0005.0054792/2020-76

Interessada: Associação Mineira do Ministério Público 

Assunto: Tempo especial. Conversão em tempo comum para averbação junto à Procuradoria-Geral de Justiça. Possibilidade.

 

                        Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral de Justiça Adjunto Jurídico,

 

            A combativa Associação Mineira do Ministério Público formulou requerimento em nome de seus associados, mediante o qual requer a conversão de tempo especial laborado pelos membros do Ministério Público em tempo comum para fins de averbação e aposentadoria junto à Procuradoria-Geral de Justiça.

            Ressalta que a decisão proferida pelo STF no âmbito do RE 1014286 reconheceu a possibilidade de conversão do tempo de serviço prestado em condições especiais para o fim de aposentadoria.

            É o relato do necessário.

            A princípio, destaca-se que a Procuradoria-Geral de Justiça, nos últimos quatro anos, tem reconhecido em favor dos membros do Ministério Público o direito de conversão do tempo de serviço laborado em condições especiais em tempo comum. É provável que a situação de todos os membros que possuem tempo especial averbado junto ao DPMP já tenha sido analisada individualmente, deferindo-se a concessão do direito.

A Constituição do Estado de Minas Gerais assegura a aposentadoria em condições especiais para diversas categorias, como os servidores policiais civis e os policiais militares.

            A Lei Complementar nº 34, de 12 de setembro de 1994 (Lei Orgânica do Ministério Público de Minas Gerais) não contém disposições expressas sobre a possibilidade de conversão de tempo de serviço especial em comum, seja para fim de aposentadoria ou concessão de benefícios.

            O texto da Constituição da República de 1988 sempre admitiu a fixação de critérios diferenciados para aposentadoria em carreiras que exercem atividades de risco ou que impliquem em prejuízo à saúde ou integridade física.

            O artigo 40, §4º, da CR/88, com redação da Emenda nº 47/2005, dispunha, in verbis:

 

Art. 40.

§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:

(...)

II - que exerçam atividades de risco;

III - cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

 

            Em sua redação atual, o art. 40 da CR/88, prevê:

 

§ 4º-B. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de ocupantes do cargo de agente penitenciário, de agente socioeducativo ou de policial dos órgãos de que tratam o inciso IV do caput do art. 51, o inciso XIII do caput do art. 52 e os incisos I a IV do caput do art. 144[1].       (Incluído pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)

 

            A reforma da previdência do ano de 2019 promoveu alterações nas regras de aposentadoria, afetando, inclusive, categorias especiais, como os policiais civis e militares. A Emenda Constitucional nº 103/2019 também pôs fim à conversão do tempo especial em comum admitida pelo RGPPS, dispondo:

 

Art. 10. (...)

§ 3º A aposentadoria a que se refere o § 4º-C do art. 40 da Constituição Federal observará adicionalmente as condições e os requisitos estabelecidos para o Regime Geral de Previdência Social, naquilo em que não conflitarem com as regras específicas aplicáveis ao regime próprio de previdência social da União, vedada a conversão de tempo especial em comum.

 

            No entanto, foi assegurado o direito adquirido daqueles que exerceram atividades em condições especiais até a publicação da emenda constitucional:

 

Art. 25. Será assegurada a contagem de tempo de contribuição fictício no Regime Geral de Previdência Social decorrente de hipóteses descritas na legislação vigente até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional para fins de concessão de aposentadoria, observando-se, a partir da sua entrada em vigor, o disposto no § 14 do art. 201 da Constituição Federal.

(...)

§ 2º Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data.

            O Supremo Tribunal Federal – STF editou a Súmula Vinculante nº 33, cujo teor é o seguinte:

 

Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica. 

 

            É bem verdade que o verbete alcança apenas o inciso III, mas a explicação para tanto decorre dos votos apresentados na proposta de edição da súmula vinculante, dos quais se extrai que a regulamentação do inciso I sobreveio à referida proposição com a edição da Lei Complementar nº 132/2013, ao passo que o inciso II encontra respaldo na Lei Complementar nº 51/1988, que foi recepcionada pela CR/88, mas que abarca somente a atividade policial.

            De toda sorte, como o enunciado da súmula em questão remete o Administrador Público ao comando da antiga redação do artigo 40, §4º, da CR/88, não poderiam ser adotados requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos que exerceram atividade de risco, exigindo-se identidade de tratamento entre o Regime Geral de Previdência Social e os Regimes Próprios.

            Assim, se o artigo 57, §5º, da Lei nº 8.213/1991 permitia, no Regime Geral de Previdência Social, a conversão do tempo de trabalho exercido sob condições especiais para tempo comum, igual tratamento deveria ser dado ao servidor público. O dispositivo legal em questão apresentava a seguinte redação:

 

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.

[...]

§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.

 

            Outrossim, no âmbito do Recurso Extraordinário nº 1014286, o Supremo Tribunal Federal proferiu julgamento de mérito com repercussão geral, tendo decidido:

 

  Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 942 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, Redator para o acórdão, vencido o Ministro Luiz Fux (Relator), que dava provimento ao recurso. Foi fixada a seguinte tese: "Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República". Os Ministros Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Roberto Barroso, fixavam tese diversa. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 21.8.2020 a 28.8.2020. (grifei)

 

            O cômputo diferenciado de tempo de serviço especial não se trata de tempo ficto, mas constitui imposição do artigo 40, §4º, da CR/88 (antiga redação), o qual exige “requisitos e critérios diferenciados” no que diz respeito ao tempo de serviço prestado em condições prejudiciais.

            Na verdade, apesar de simplificada pela aritmética, a conversão é a conjugação de duas modalidades legítimas de aposentadoria, que deve encontrar um tempo intermediário entre a especial e a comum, para não retirar do servidor público a qualificação do tempo trabalhado sob condições especiais.

            A aplicação aos servidores públicos das regras do regime geral de previdência social – RGPS, notadamente no que se refere à conversão de tempo especial em comum, com contagem diferenciada, é tema que foi debatido no Recurso Extraordinário nº 1.014.286, de relatoria do Ministro Luiz Fux, o qual teve repercussão geral reconhecida – Tema 942, em decisão proferida pelo Plenário do STF, no dia 20 de abril de 2017.

            Certo é que a Procuradoria-Geral da República, no dia 07 de julho de 2017, exarou parecer pelo desprovimento do aludido Recurso Extraordinário, posicionando-se pelo dever de aplicação das normas do regime geral de previdência social, relativas à aposentadoria especial contidas na Lei nº 8.213/1991, para viabilizar sua concretização, enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria.

            Naquela oportunidade, o ex-Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, consignou que a conversão do tempo especial em comum é inerente ao próprio direito constitucional à diferenciação dos critérios de aposentadoria quando exercido trabalho em condições especiais, decorrendo da norma de integração contida no artigo 40, §12, da Lei Fundamental e do Princípio da Isonomia. E, ainda, propôs a seguinte tese:

 

O direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no inc. III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, da norma de integração contida no § 12 desse dispositivo e do princípio da isonomia, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria.

 

            Deve-se observar, portanto, o regramento contido no artigo 57, §§4º e 5º, da Lei Federal nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, in verbis:

 

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.

(...)

§ 4º. O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.

§ 5º. O tempo de trabalho exercido sob condições especiais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício. [Grifou-se]

 

            Quanto ao índice de conversão, poder-se-ia invocar, na aplicação do artigo 57, §5º, da Lei Federal nº 8.213/91, a regulamentação veiculada pelo artigo 70 do Decreto nº 3.048/99, que aprovou o Regulamento da Previdência Social, cujo teor é o seguinte:

 

Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:

 

TEMPO A CONVERTER

MULTIPLICADORES

MULHER (PARA 30)

HOMEM (PARA 35)

DE 15 ANOS

2,00

2,33

DE 20 ANOS

1,50

1,75

DE 25 ANOS

1,20

1,40

 

§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.

§ 2o As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período.

 

 

            Todavia, em que pese a correção nos multiplicadores referentes à conversão do tempo especial das servidoras públicas, tal acerto não ocorre na conversão dos servidores, havendo inclusive arredondamento após a regra de três simples, o que pode conduzir à contagem de tempo fictício, ainda que mínimo.

            Mister, portanto, adotar a regra de três simples, acolhendo-se apenas os números inteiros quanto aos dias trabalhados, ou seja, devem ser desprezadas quaisquer frações de um dia.

            Logo:

       X dias trabalhados em condições especiais

_______

Y anos (segundo as normas jurídicas aplicáveis ao membro à época da prestação do serviço)

     Z dias (correspondência em tempo comum após regra de três)

_______

30 ou 35 anos (regime jurídico previdenciário em vigor no Estado de Minas Gerais)

 

            Assim sendo, opina-se pelo deferimento do requerimento de conversão de tempo especial em tempo comum para o fim de averbação junto à Procuradoria-Geral de Justiça em favor dos associados da Associação Mineira do Ministério Público, devendo ser observado o regime jurídico aplicável ao membro à época em que laborou em circunstâncias especiais. Deve, ainda, ser aplicada a regra de três simples para o cálculo pretendido.

É o parecer, sub censura.

 

Belo Horizonte, 27 de novembro de 2020.

 

 

Carolina M. Siqueira

Promotora de Justiça/Assessora Especial

 

[1]   Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

 

 

Belo Horizonte - MG, 01 de dezembro de 2020

 

 

 


logotipo

Documento assinado eletronicamente por CAROLINA MENDONCA DE SIQUEIRA, ASSESSOR ESPECIAL (MEMBROS), em 01/12/2020, às 15:11, conforme art. 22, da Resolução PGJ n. 27, de 17 de dezembro de 2018.


QRCode Assinatura

A autenticidade do documento pode ser conferida no site http://www.mpmg.mp.br/sei/processos/verifica, informando o código verificador 0665642 e o código CRC 6DDCBE83.




Processo SEI: 19.16.0005.0054792/2020-76 / Documento SEI: 0665642 Gerado por: PGJMG/PGJAJ/AEPGJ/AEPGJCIVGAB01

AVENIDA ALVARES CABRAL, 1690 - Bairro SANTO AGOSTINHO - Belo Horizonte/ MG - CEP 30170008